segunda-feira, 4 de abril de 2011

O que foi a Revolta da Chibata?

A Revolta da Chibata (João Cândido)

Uma das instituições na qual o comportamento escravista dos seus

superiores mais se evidenciava era a marinha de Guerra do Brasil. O uso

do açoite como medida disciplinar continuou sendo aplicado nos marinheiros,

como no tempo em que existia o pelourinho. Todos os marinheiros, na sua

esmagadora maioria negros, continuavam a ser açoitados às

vistas dos companheiros, por determinação da oficialidade

branca.

Os demais marujos eram obrigados a assistir à cena infamante no convéns

das belonaves. Com isto, criaram-se condições de revolta

no seio da marujada. Os seus membros não aceitavam mais passivamente

esse tipo de castigo. Chefiados por Francisco Dias, João Cândido

e outros tripulantes do Minas Gerais, navio capitânia da esquadra,

organizaram-se contra a situação humilhante de que eram vítimas.

Nos outros navios a marujada também se organizava: o cabo Gregório

conspirava no São Paulo, e no Deodoro havia o cabo

André Avelino.

Dia 22 de novembro de 1910. Final praticamente de mais um ano do início

do governo do marechal Hermes da Fonseca. A informação chega

até o presidente: a esquadra se sublevara. O movimento que vinha

sendo articulado pelos marinheiros foi antecipado em face da indignação

dos marujos contra o espancamento de mais um companheiro. O marinheiro

negro Marcelino recebeu 250 chibatadas aos olhos de toda a tripulação,

formada no convés do Minas Gerais. Desmaiou, mas os açoites

continuaram.

Os marinheiros, tendo João Cândido como líder, resolveram sublevar-se

imediatamente. Num golpe rápido, apoderaram-se dos principais navios

da Marinha de Guerra brasileira e se aproximaram do Rio de Janeiro. Em

seguida mandaram mensagem ao presidente da República e ao ministro

da Marinha exigindo a extinção do uso da chibata.

O governo ficou estarrecido. Supôs tratar-se de um golpe político das

forças inimigas. O pânico apoderou-se de grande parte da população

da cidade. Muitas pessoas fugiram. Somente em um dia correram 12 composições

especiais para Petrópolis, levando 3 000 pessoas. Todos os navios

amotinados hastearam bandeiras vermelhas. Alguns navios fiéis ao

governo ainda tentaram duelar com os revoltosos, mas foram logo silenciados.

Com isto os marujos criaram um impasse institucional. De um lado a Marinha,


que queria a punição dos amotinados, em conseqüência

da morte de alguns oficiais da armada. Do outro lado, o governo e os políticos,

que sabiam não ter forças para satisfazer essa exigência.

Mesmo porque os marinheiros estavam militarmente muito mais fortes do que

a Marinha de Guerra, pois comandavam, praticamente, a armada e tinham os

canhões das belonaves apontados para a capital da República.

Depois de muitas reuniões políticas, nas quais entrou, entre outros,

Rui Barbosa, que condenou os “abusos com os quais, na gloriosa época

do abolicionismo, levantamos a indignação dos nossos compatriotas”,

foi aprovado um projeto de anistia para os amotinados. Com isto, os marinheiros

desceram as bandeiras vermelhas dos mastros dos seus navios. A revolta

havia durado cinco dias e terminava vitoriosa. Desaparecia, assim, o uso

da chibata como norma de punição disciplinar na Marinha de

Guerra do Brasil.

As forças militares, não-conformadas com a solução política

encontrada para a crise, apertam o cerco contra os marinheiros. João

Cândido, sentindo o perigo, ainda tenta reunir o Comitê

Geral da revolução, inutilmente. Procuram Rui Barbosa

e Severino Vieira, que defenderam a anistia em favor deles, mas sequer

são recebidos por esses dois políticos. Unem-se, agora, civis

e militares para desafrontar os “brios da Marinha de Guerra” por eles atingidos.

Finalmente vem um decreto pelo qual qualquer marinheiro podia ser sumariamente

demitido. A anistia fora uma farsa para desarmá-los.

São acusados de conspiradores, espalham boatos de que haveria uma outra sublevação.

Finalmente, afirmam que a guarnição da ilha das Cobras havia

se sublevado. Pretexto para que a repressão se desencadeasse violentamente

sobre os marinheiros negros. O presidente Hermes da Fonseca necessitava

de um pretexto para decretar o estado de sítio, a fim de sufocar

os movimentos democráticos que se organizavam. As oligarquias regionais

tinham interesse em um governo forte. Os poucos sublevados daquela

ilha propõem rendição incondicional, o que não

é aceito. Segue-se uma verdadeira chacina. A ilha é bombardeada

até ser arrasada. Estava restaurada a honra da Marinha.

João Cândido e os seus companheiros de revolta são presos incomunicáveis,

e o governo e a Marinha resolvem exterminar fisicamente os marinheiros.

Embarca-os no navio Satélite rumo ao Amazonas.

Os 66 marujos que se encontravam em uma masmorra do Quartel do Exército

e mais 31, que se encontravam no Quartel do 1º Regimento de Infantaria,

são embarcados junto com assassinos, ladrões e marginais

para serem descarregados nas selvas amazônicas. Os marinheiros, porém,

tinham destino diferente dos demais embarcados. Ao lado dos muitos nomes

da lista entregue ao comandante do navio, havia uma cruz vermelha, feita

a tinta, o que significava a sua sentença de morte. Esses marinheiros

foram sendo parceladamente assassinados: fuzilados sumariamente e jogados

ao mar.

João Cândido, que não embarca no Satélite, juntamente

com alguns companheiros foram recolhidos a uma masmorra da ilha das Cobras,

onde viviam como animais. Dos 18 recolhidos ali, 16 morreram. Uns fuzilados

sem julgamento, outros em conseqüência das péssimas condições


em que viviam enclausurados. João Cândido enlouqueceu, sendo

internado no Hospital dos Alienados. Tuberculoso e na miséria, consegue,

contudo, restabelecer-se física e psicologicamente. Perseguido constantemente,

morre como vendedor no Entreposto de Peixes da cidade do Rio de Janeiro,

sem patente, sem aposentadoria e até sem nome, este herói

que um dia foi chamado, com mérito, de Almirante Negro.