O que foi a Revolta da Chibata?
A Revolta da Chibata (João Cândido)
Uma das instituições na qual o comportamento escravista dos seus
superiores mais se evidenciava era a marinha de Guerra do Brasil. O uso
do açoite como medida disciplinar continuou sendo aplicado nos marinheiros,
como no tempo em que existia o pelourinho. Todos os marinheiros, na sua
esmagadora maioria negros, continuavam a ser açoitados às
vistas dos companheiros, por determinação da oficialidade
branca.
Os demais marujos eram obrigados a assistir à cena infamante no convéns
das belonaves. Com isto, criaram-se condições de revolta
no seio da marujada. Os seus membros não aceitavam mais passivamente
esse tipo de castigo. Chefiados por Francisco Dias, João Cândido
e outros tripulantes do Minas Gerais, navio capitânia da esquadra,
organizaram-se contra a situação humilhante de que eram vítimas.
Nos outros navios a marujada também se organizava: o cabo Gregório
conspirava no São Paulo, e no Deodoro havia o cabo
André Avelino.
Dia 22 de novembro de 1910. Final praticamente de mais um ano do início
do governo do marechal Hermes da Fonseca. A informação chega
até o presidente: a esquadra se sublevara. O movimento que vinha
sendo articulado pelos marinheiros foi antecipado em face da indignação
dos marujos contra o espancamento de mais um companheiro. O marinheiro
negro Marcelino recebeu 250 chibatadas aos olhos de toda a tripulação,
formada no convés do Minas Gerais. Desmaiou, mas os açoites
continuaram.
Os marinheiros, tendo João Cândido como líder, resolveram sublevar-se
imediatamente. Num golpe rápido, apoderaram-se dos principais navios
da Marinha de Guerra brasileira e se aproximaram do Rio de Janeiro. Em
seguida mandaram mensagem ao presidente da República e ao ministro
da Marinha exigindo a extinção do uso da chibata.
O governo ficou estarrecido. Supôs tratar-se de um golpe político das
forças inimigas. O pânico apoderou-se de grande parte da população
da cidade. Muitas pessoas fugiram. Somente em um dia correram 12 composições
especiais para Petrópolis, levando 3 000 pessoas. Todos os navios
amotinados hastearam bandeiras vermelhas. Alguns navios fiéis ao
governo ainda tentaram duelar com os revoltosos, mas foram logo silenciados.
Com isto os marujos criaram um impasse institucional. De um lado a Marinha,
que queria a punição dos amotinados, em conseqüência
da morte de alguns oficiais da armada. Do outro lado, o governo e os políticos,
que sabiam não ter forças para satisfazer essa exigência.
Mesmo porque os marinheiros estavam militarmente muito mais fortes do que
a Marinha de Guerra, pois comandavam, praticamente, a armada e tinham os
canhões das belonaves apontados para a capital da República.
Depois de muitas reuniões políticas, nas quais entrou, entre outros,
Rui Barbosa, que condenou os “abusos com os quais, na gloriosa época
do abolicionismo, levantamos a indignação dos nossos compatriotas”,
foi aprovado um projeto de anistia para os amotinados. Com isto, os marinheiros
desceram as bandeiras vermelhas dos mastros dos seus navios. A revolta
havia durado cinco dias e terminava vitoriosa. Desaparecia, assim, o uso
da chibata como norma de punição disciplinar na Marinha de
Guerra do Brasil.
As forças militares, não-conformadas com a solução política
encontrada para a crise, apertam o cerco contra os marinheiros. João
Cândido, sentindo o perigo, ainda tenta reunir o Comitê
Geral da revolução, inutilmente. Procuram Rui Barbosa
e Severino Vieira, que defenderam a anistia em favor deles, mas sequer
são recebidos por esses dois políticos. Unem-se, agora, civis
e militares para desafrontar os “brios da Marinha de Guerra” por eles atingidos.
Finalmente vem um decreto pelo qual qualquer marinheiro podia ser sumariamente
demitido. A anistia fora uma farsa para desarmá-los.
São acusados de conspiradores, espalham boatos de que haveria uma outra sublevação.
Finalmente, afirmam que a guarnição da ilha das Cobras havia
se sublevado. Pretexto para que a repressão se desencadeasse violentamente
sobre os marinheiros negros. O presidente Hermes da Fonseca necessitava
de um pretexto para decretar o estado de sítio, a fim de sufocar
os movimentos democráticos que se organizavam. As oligarquias regionais
tinham interesse em um governo forte. Os poucos sublevados daquela
ilha propõem rendição incondicional, o que não
é aceito. Segue-se uma verdadeira chacina. A ilha é bombardeada
até ser arrasada. Estava restaurada a honra da Marinha.
João Cândido e os seus companheiros de revolta são presos incomunicáveis,
e o governo e a Marinha resolvem exterminar fisicamente os marinheiros.
Embarca-os no navio Satélite rumo ao Amazonas.
Os 66 marujos que se encontravam em uma masmorra do Quartel do Exército
e mais 31, que se encontravam no Quartel do 1º Regimento de Infantaria,
são embarcados junto com assassinos, ladrões e marginais
para serem descarregados nas selvas amazônicas. Os marinheiros, porém,
tinham destino diferente dos demais embarcados. Ao lado dos muitos nomes
da lista entregue ao comandante do navio, havia uma cruz vermelha, feita
a tinta, o que significava a sua sentença de morte. Esses marinheiros
foram sendo parceladamente assassinados: fuzilados sumariamente e jogados
ao mar.
João Cândido, que não embarca no Satélite, juntamente
com alguns companheiros foram recolhidos a uma masmorra da ilha das Cobras,
onde viviam como animais. Dos 18 recolhidos ali, 16 morreram. Uns fuzilados
sem julgamento, outros em conseqüência das péssimas condições
em que viviam enclausurados. João Cândido enlouqueceu, sendo
internado no Hospital dos Alienados. Tuberculoso e na miséria, consegue,
contudo, restabelecer-se física e psicologicamente. Perseguido constantemente,
morre como vendedor no Entreposto de Peixes da cidade do Rio de Janeiro,
sem patente, sem aposentadoria e até sem nome, este herói
que um dia foi chamado, com mérito, de Almirante Negro.